quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O Ghost do Grilo Falante

Dia desses, uma pessoa muito querida, que acabou de entrar no meu coração pela porta da frente, reportou que muitas vezes pensa em mim durante o dia e que chega a sentir uma espécie de 'presença' da minha pessoa a seu lado. Eu, que por menos que pareça, tenho um lado extremamente brincalhão e debochado, não perdi a oportunidade de dizer que já estou acostumada a ver os pacientes fazerem a minha imagem se transformar numa espécie de Grilo Falante que fica diuturnamente em suas mentes chamando atenção para que pensem sobre as coisas e ajam de maneira a não contrariarem a própria consciência. Brinquei, também, que acabo virando uma espécie de obsessor do bem - não que eu mesma emane algo em direção a elas, mas que me torno tão 'presente' em suas mentes que viro um Ghost incômodo.

Brincadeiras à parte, não são somente meus pacientes que acabam tendo suas mentes e seus inconscientes impactados por minha presença espectral, mas mesmo amigos comentam que ficam dias e mesmo anos se debatendo com coisas que lhes disse. E se, por um lado, isto é divertido para mim hoje, foi, durante muito tempo, um fenômeno que me incomodou muitíssimo. A capacidade de marcar tão profundamente o outro a ponto de fazê-lo pensar em mim como uma extensão de sua própria consciência gerava em minha adolescência e no início da idade adulta um quase pânico: é uma responsabilidade gigante saber que o que eu faço ou falo toca tão fortemente o outro que pode lhe marcar de verdade. Não foi ou é algo que eu busque ou tenha buscado. Não desenvolvi este magnetismo nesta encarnação atual. É algo que trago de alguma outra existência e que levei muito tempo para me acostumar. E tem um impacto ruim muitas vezes, pois acabo tendo que pensar e pensar muito bem em toda palavra que falo, em todo gesto que tenho, em tudo que faço ou deixo de fazer. Um amigo me disse uma vez que chegava a ter medo de mim, pois o que eu falo às vezes é tão forte que posso ferir sem querer. Foi chocante ouvir isto; mas ele está certo.

Aparentemente, minha capacidade de ir fundo na alma alheia deixa margem a uma necessidade absoluta de cuidado. E eu procuro tomar este cuidado, pois me corta o coração ferir alguém, mesmo com boa intenção. Quando eu pego um paciente de jeito e o deixo 'desconcertado', estou utilizando esta capacidade de ir fundo de forma consciente - e com autorização do mesmo para fazê-lo. Mas com amigos e familiares a coisa muda de figura e muitas vezes eu me contorço quando eles me pedem uma opinião, e se não tiver jeito de eu sair pela tangente, procuro ser o mais gentil possível, pois sei de ante-mão que qualquer coisa que eu diga vai pegar na veia! Minha consciência vai se transformar, por menos que eu deseje isto, numa espécie de porta-voz do inconsciente do outro e, dependendo do que seja, sei que a partir de então eu mesma irei virar algo com um fantasma verde em miniatura, empoleirada no ombro e martelando na mente da pessoa: o certo é isto e não aquilo. Graças à Mãe Divina, contudo, consigo ficar calada a maior parte das vezes. Seguindo o exemplo de Kwan Yin, procuro ter um olhar de compaixão sobre todo auto-engano que amigos e parentes se imergem, pois sei - por experiência profissional e pessoal - que as pessoas têm hora certinha para se confrontarem com a verdade de suas almas. Antes que esta hora chegue, a mim cabe um olhar de tolerância e paciência. Mas se esta hora chegar e, por sorte ou azar, for a mim que a pessoa vier perguntar algo, visto minha roupinha verde, assumo minha posição por destino, e me transformo no Ghost do Grilo Falante!

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