segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Perguntas Criativas

Ontem dormi refletindo sobre algumas questões que sempre me intrigaram: por que temos a capacidade de criar coisas negativas para nossa vida e não exercemos o mesmo poder para coisas positivas? Por que o negativo nos mobiliza para mudanças e o positivo não? Vejo isto em minha vida e na vida de todos que me cercam profissional e pessoalmente. Acredito que este é o tipo de pergunta que realmente merece que nos debrucemos sobre ela, e nesses anos cheguei a algumas conclusões que desejo compartilhar. 

A primeira delas diz respeito à tendência que a psique tem de se comportar como um corpo em movimento inercial. Por pior que seja uma situação em nossa vida, o fato de ela ser 'conhecida' nos causa menos angústia que o novo. Tendemos, portanto, a ficarmos em uma espécie de zona de conforto até que o Self providencie uma exacerbação do sofrimento ou traga um elemento novo que nos obrigue a levantar o traseiro da cadeira de expectador da vida, e buscarmos um rumo diferente. Não fossem esses episódios que põem por terra tudo aquilo que considerávamos certo, ficaríamos estacionados na evolução. E é desta constatação que retiro a certeza de que tudo de ruim que nos acontece tem uma semente positiva em seu bojo.


Ao nos questionarmos sobre finalidade de uma 'trombada' que algum episódio deu em nossa vidinha conhecida - ou mesmo quando não cabem questionamentos, apenas vivenciar aquilo -, podemos descobrir os propósitos do Self para as chamadas 'bênçãos disfarçadas de perda'. Por pior que seja uma situação, ela sempre irá nos levar ao crescimento: cedo ou tarde, compreendemos que foi a partir dela adquirimos uma perspectiva diferente e demos um passo a mais em direção à maturidade e sabedoria. Mas, sendo sempre assim, porque não fazemos isto voluntariamente, ou seja, por que não buscamos atingir a maturidade e a sabedoria antes que elas venham nos 'atingir' incrustadas nas pedras da dor? A conclusão que chego aqui é que a pergunta já é resposta, ou seja, exatamente por falta de maturidade e sabedoria nos agarramos ao passado, ao presente e à nossa inércia costumeira. 

É a falta de sabedoria que gera o medo que nos impede de usarmos nossa capacidade criativa para nos 'anteciparmos' e tomarmos o movimento evolutivo em nossas próprias mãos. E isto me leva à segunda conclusão: temos a tendência infantil que não querermos nos responsabilizar por nossas vidas. É mais fácil pôr a culpa nos pais (pobre das mães!), nos cuidadores, nos companheiros, nos chefes, na Nação, nos políticos, nos vizinhos, em Deus ou em qualquer 'outro'. E note que aqui uso duas palavras diferentes: responsabilidade e culpa. 

Enquanto a responsabilidade implica em tomar posse de condições necessárias para realizar algo - e cria, por isto mesmo, um compromisso com o que se realiza -, a culpa é mera sentença de que há um agente e uma vítima. A primeira põe conscientemente o poder em nossas mãos; a segunda, retira. Pelo menos é o que acreditamos. Mas a verdade é que mesmo que um evento tenha vindo do Self diretamente e, à revelia total do ego, utilizado um 'outro' como aparente agente, o fato é que nos cabe sempre uma responsabilidade em tudo que nos acontece. Não culpa!, res-pon-sa-bi-li-da-de. Somos co-criadores de nossa vida, quer gostemos ou não disto. E temos uma capacidade quase infinita para criarmos coisas ruins para nós mesmos. Por mais que os padrões de interferência de onda possam explicar como o outro efetivamente altera - para o bem ou para o mal - aquilo que nós mesmos criamos, a própria presença deste outro em nossa vida já é algo que consciente ou inconscientemente buscamos. 

Aqueles que não têm uma visão espiritual, e não consideram como válida a possibilidade de uma reencarnação, podem objetar que existem pessoas e circunstâncias que nos são impostas e não escolhidas por nós. Eu discordo totalmente: o Self preexiste e pós-existe ao ego e este, como Jung bem definiu, é uma criação do primeiro. O objetivo de toda e qualquer vida sobre o planeta - incluem-se aí as vidas ditas 'inferiores' em relação ao homem - é a evolução, e o ego humano não foge a esta lei. É através dele que o Self adquire experiência em sucessivas encarnações até tomar posse completa de sua Natureza Divina. Do ponto de vista desta Natureza, positivo e negativo se interpõe e interpenetram, sendo apenas expressões de um processo criativo que ainda somos incapazes de compreender totalmente com o coração e a mente. E eu volto aqui a questão da criatividade, concluindo com meus botões que ela é um patrimônio do qual não temos como abrir mão - para o bem ou para o mal. Talvez, num mero trocadilho filosófico, não sejamos nós que a possuímos, mas ela que nos possui até virarmos o jogo e a tomarmos em nossas mãos. 

...Pessoalmente passei mais da metade de minha vida não me considerando uma pessoa criativa - o que, por tudo que acabo de dizer, significa que não tomava posse de minha criatividade. Apenas nas duas últimas décadas foi que coloquei a mão nisto. Mas ainda de forma semi-consciente. Como assim?!, podem perguntar aqueles que convivem comigo e que vêem uma verdadeira explosão de 'coisas que eu fiz' a meu redor. Simples: criar algo e sentir-se criativa são duas coisas diferentes. Em termos práticos, significa que reconhecia e reconheço a existência de um hiato entre o que produzo e o que sinto ser capaz de produzir. Filigranas da psique... Apenas quando resolvi que uma das formas de ritualizar minha entrada na menopausa seria produzir um scrap-book com as coisas que criei ao longo desses anos (inspirada na Coletora de Ossos, de Clarissa Estés) foi que efetivamente comecei a tomar posse consciente disto. Apenas quando vi que tenho mais de cem quadros pintados, dez livros registrados e sei mais lá quantas outras 'artes' foi que principiei a desconfiar que estava desatualizada a meu próprio respeito. E quando digo que principiei, é principiei mesmo: apenas no universo das palavras é que sinto com o coração que sou realmente criativa; nas outras áreas me vejo muito mais como uma 'copiadora' (mais recentemente o bordado e o próprio scrap também têm me chegado ao emocional como patrimônio). 

Técnica e racionalmente sei que me escorar na posição de mera reprodutora de obras alheias, no biscuit, na costura e na pintura, está bem longe da verdade. Qualquer artista sabe que ninguém de fato copia nada, e mesmo um pintor refazendo uma pintura de outro irá deixar impressas ali as marcas de sua individualidade; mas a falta de maturidade ainda não me permite atingir o estágio de tomar emocionalmente posse total de mim mesma. Paradoxo, isto, não? Mas como não sou do tipo que 'deixa barato' quando descobre algo a ser trabalhado na psique, vou usar a próxima Lua Cheia que, não por coincidência, vira exatamente na minha Casa V, da criatividade, para dar mais um passinho nesta direção. Um dia eu chego lá! 



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