quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Um Samhain em Dois Tempos

Ancestrais... muito devo a todos eles! Como analista, sei que meu inconsciente recebe de herança as experiências vividas por eles e tem ali um repertório acessível para dar voz às minhas próprias experiências.  Suas vidas são como pratos servidos em um grande banquete, no qual minha alma se alimenta e se desenvolve. Mais do que características físicas, a melhor e mais efetiva herança que nossos antepassados nos dão são aquelas que vêm de suas experiências e aprendizados, sejam estes de conquistas ou derrotas. Eles nos dão o 'vocabulário', o repertório, e mesmo que os textos de nossas vidas sejam escritos exclusivamente por nós, se não tivessem nos dado as palavras, nós nada escreveríamos. E, na maior parte das vezes, este repertório nos chega sem que saibamos, numa espécie de transfusão de alma para alma. Mas quando somos honestos, e nos propomos a investigar, muitas vezes encontramos no passado a semente do que somos hoje.

Para mim, este é o verdadeiro sentido de honrar os ancestrais: voltar conscientemente minha mente para eles e agradecer por tudo que eles me deram. E foi o que eu fiz. Voltei minha mente aos meus avós paternos e agradeci por ter recebido deles, via inconsciente, a capacidade auto-didata, a coragem de viver de com um olho na matéria e outro no espírito, a gargalhada sonora do meu avô, a tenacidade silente de minha avó, dentre tantas outras coisas... Agradeci também a meus avós maternos, dos quais recebi a generosidade desprendida e honesta de minha avó, a paciência calma e profunda de meu avô, e de ambos a resistência à dor e ao sofrimento, mesmo os mais profundos; também foi no inconsciente deles que meu inconsciente buscou o repertório para amar tanto a Umbanda, pois 'na surdina', sob os sussurros maldosos dos filhos e genros, eles estavam aqui e ali em um terreiro de umbanda... Dos quatro herdo a coragem de trabalhar sem medo do cansaço, e das duas avós o gosto por ter as mãos ocupadas e a coragem de enfia-las na terra, para plantar ou arrancar alguma coisa, até as unhas ficarem tão negras e quebradas como as de uma Yaga! E foi exatamente assim que escolhi fazer minha homenagem a eles este ano: plantando dois canteiros de mudas floridas.

Comecei no sábado indo a um pólo verde, uma região da cidade que concentra um bom número de lojinhas de mudas, pois o custo de um canteiro fica razoavelmente baixo quando se trabalha com mudinhas. Além disto, em termos mágicos, acompanhar o crescimento da planta tem não somente o efeito de acompanhar a quantas anda uma energia, mas também possibilita realimentar o processo de forma contínua. Escolhi plantas que não precisam de sol o dia todo, mas fiz questão de que fossem do tipo 'florescentes'! Beijinhos, dois tipos de onze-horas, impatiens, tagetes (a única 'anual') e mais três outras que DDA tenta por tudo lembrar o nome, mas não consegue... afh! Detalhes à parte, cheguei em casa e enquanto preparava a 'plantação' fui declarando minha intenção, mentalizando meus avôs e avós e estendendo minhas reflexões a outros antepassados, procurando me lembrar dos fragmentos de histórias que conheço e o que daquelas pessoas ainda vive através de mim.

Assim, cavando na lama, me lembrei da avó do meu pai, que depois de viúva não teve 'pudores' de começar um caso com um trabalhador de suas terras e peitou filhos, genros, noras e mesmo a pequena sociedade da cidadezinha aonde viviam. Essa mulher de personalidade forte foi a única bisavó que conheci, mas quando a vi na cama ela já era cega e somente muitos anos mais tarde compreendi que aquela imagem frágil era apenas o esconderijo de um espírito independente que, na surdina, devia estar apenas esperando o desligamento do corpo para sair voando livremente pela janela. E dei minha risadinha de bruxa contemplando esta imagem... tenho a quem puxar!

Depois minha mente foi caminhando mais longe ainda enquanto meu corpo lidava com formigas enfurecidas por minha invasão de seu espaço e mutucas que insistiam em suas picadas atrevidas em meu corpo de biquini. SIM!, filtro solar 30 pode não ser uma coisa ancestral, mas estar quase nua mexendo com terra é!, pelo menos para mim, pois ali,  sentada no chão, estava também honrando a avó de minha avó materna, 'índia pega no laço', como ela contava quando eu era criança... mas, novamente, apenas na idade adulta consegui entender que isto significava uma mulher arrancada das raízes e aparada e podada até ficar como uma planta murcha e sem graça. Mas algo desta mulher certamente vazou por debaixo das saias compridas e golas altas... escorreu pelos dedos e bicos dos seios e passou adiante: seu filho já era homeopata do início do século passado, e deve ter sido um dos primeiros. Numa sociedade em pedaços, ele fez parte daqueles que ousaram falar de seres inteiros: herança materna, certamente!, de onde também tirei este gosto por morar no mato, sem os medos histéricos que as pessoas 'urbanas' têm de aranhas, besouros e outras coisas inofensivas. E terminei esta parte do Samhaim exatamente nesta linha: levando no bom-humor o fato de ter pisado na tonta de uma abelha que estava fazendo sabem os deuses o quê (?!) no chão, mas que nem por isto deixou passar a oportunidade de me ferroar na sola do pé - como se eu estivesse no lugar errado!!!

... Na segunda, no dia historicamente consagrado para homenagear os antepassados, montei um altar tendo ao centro um quadro que foi resultado de outra homenagem aos meus ancestrais: uma montagem com as fotos dos meus avôs e avós, meus pais e uma foto de 'carinhas' de quando eu tinha um ano. Esta montagem, tipo scrapbook, tem por título "Raízes me deram Asas". Ao redor do altar coloquei vasos com gérberas e hortências (que já foram devidamente plantados ontem). Também trabalhei com velas para os sete raios e uma branca, que é a síntese, representando as sete potencialidades de todo ser. Como músicas escolhi Angels of the Risin Dawn, da Carolyn, como uma espécie de oração de bênçãos para eles; e também Egypt Dust que começa com ela pedindo asas para voar às suas irmãs e compartilhar 'gifts'... sem comentários!

... Deixei para fazer este ritual no fim do dia, depois de voltar do consultório e agradeci muito a mim mesma por isto: é sempre tão emocionante me conectar completamente com meus avôs e avós que terminei lavada em lágrimas!

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