sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Tabula Smaragdina

"O que está em baixo é igual ao que está em cima. E o que está em cima é igual ao que está embaixo, para que se realizem os milagres da coisa única. (in Estudos Alquímicos, C. G. Jung § 175.)"

O princípio da Tabula Smaragdina é a base sobre a qual os alquimistas estruturaram todo seu trabalho. E, como já tive oportunidade de dizer (post Alquimia da Alma), a alquimia é a 'avó' da análise junguiana. Na busca do significado, tanto de símbolos, quanto de eventos concretos, tratamos o simbólico como real e o real como simbólico e, a partir disto, encontramos as mensagens do Self e o potencial evolutivo de tudo que ocorre à psique. Feita esta apresentação, gostaria de continuar o assunto do post anterior e explicar que este princípio alquímico não é 'mera teoria estapafúrdia', mas tem implicações práticas bem visíveis.

No atendimento que fiz do meu amigo ontem, levamos pouco tempo para descobrir que há ainda em sua psique um elemento 'censor' interno que se volta contra sua homossexualidade e o faz sentir-se indigno tanto de felicidade, quanto de 'respeito'. Foi muito triste constatarmos que este auto-preconceito, ao ser ignorado e não trabalhado por tantas décadas, adquiriu força libidinal suficientemente para reverberar no inconsciente de outra pessoa e torná-lo alvo de um ataque justamente na área sexual. Por sorte - e eu realmente considero sorte - o inconsciente do litigante identificou algo em meu amigo que considera uma 'perversão', mas errou o alvo: meu amigo nunca passou nem perto de um relacionamento com menores de idade e muito menos com 'meninas'. Juridicamente isto irá fazer muita diferença. Mas o impacto é interno, não só por expor sua vida íntima, mas por reverberar em seu emocional.

A questão da não aceitação de si mesmo é algo 'banal' em um consultório de análise; e não é diferente para os pacientes que têm a homossexualidade como opção sexual. Com eles, contudo, este fato adquire muitas vezes o contorno de auto-destruição, tanto física, quanto social e psicológica. Fazendo um eco absurdo com o preconceito social, as pessoas que escolhem nascer com um cérebro biologicamente preparado para sentir atração sexual por indivíduos do mesmo sexo - e também aqueles a sentem por ambos os sexos - costumam guardar no íntimo toda sorte de acusações injustas a respeito de si mesmas. E, muitas vezes, este 'dedo acusatório' que apontam contra si é tão violento e pesado que eles o 'soterram' nas camadas mais fundas da psique. Tudo isto amplifica a urgência de uma análise profunda e eleva aos píncaros a necessidade de desenvolver amor-próprio e auto-estima legítima, mesmo que o meio não lhes 'autorize' isto.

Já tive vários casos com contornos bem próximos aos do meu amigo e todos têm em comum a necessidade de superação. Da putrefatio alquímica se extrai a Pedra, ou seja, da matéria negra do inconsciente se extrai o Self.  Nesta linha, expliquei-lhe que, a despeito do sofrimento de ter sido vítima de uma injustiça, é justamente este choque que lhe abre as portas psíquicas para uma superação importante em sua evolução. A constatação de que, em nível simbólico, esta acusação tratou-se de uma projeção da própria injustiça à qual seu inconsciente o submete, irá habilitá-lo a mergulhar em camadas muito profundas do inconsciente, pôr a mão nesta questão e trazê-la à tona para ser trabalhada. Como uma Hidra de Lerna, é chegada a hora do preconceito ser retirado dos pântanos da Sombra e exposto à luz da consciência pelo ego heróico.

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