terça-feira, 16 de agosto de 2011

Alquimia e Xamanismo - Segredos de Alcova

Nã, nã... pode tirar o 'pangaré' da chuva que não vou contar aqui nenhuma tórrida noite de amor. Vou entrar um pouco 'mais fundo' que isto - com trocadilhos! - e revelar com o que pode sonhar uma analista: segredo máximo entre nós. Isto porque, para olhos bem treinados, um sonho revela mais que as celulites, cicatrizes e marquinhas de nascença usualmente desveladas pelo amante de uma mulher de carne e osso - sem Photoshop! Revela detalhes da psique que normalmente são desconhecidos até pelo sonhador; mostram os segredos que costumamos não confessar nem para nós mesmos e expõem partes de nós até então completamente ignoradas. E, vamos combinar?!, num mundo em que ir para a cama com desconhecidos está se tornando banal (para meu profundo espanto!), isto é bem mais íntimo, não é?! Então vamos lá:

"Sonhei que encontrava com a minha comadre e ela me mostrava um cristal vermelho que, conforme ia sendo virado, modificava sua estrutura interna, como se fora um caleidoscópio. Ela me dizia que era um absurdo, mas as pessoas estavam comprando aquela pedra para dar de presente para crianças brincarem. Eu resolvia que iria ter uma dessas pedras e saía para procurar um tio que, mesmo tendo se afastado de minha família há mais de 30 anos, sei que trabalha comercializando cristais. Chego em um esquina e estaciono meu carro - que estava guinchando um guarda-roupas! - de forma precária. Tenho receio de que o guarda-roupas se solte e provoque um acidente, mas decido deixar assim mesmo, pois a loja do meu tio era em frente à esquina. Entro em seu escritório e ele me vê de longe. Neste ponto se transforma em um grande lobo castanho e vem em minha direção, pronto para me atacar por ter invadido seu território. Quando se aproxima, falo com ele que sou sua sobrinha e que vim ali para buscar a tal pedra. Ele volta a ser um homem e fica emocionado por me reencontrar."

Quando eu acordei, ainda na cama, disse a mim mesma que neste sonho deveria haver a resposta que estou procurando há meses: de onde estava vindo este 'puxão' para o xamanismo. Eu fizera a pergunta. O inconsciente respondeu. Portanto, analisar este sonho era fundamental.

Para começo de conversa, preciso explicar que cada elemento que aparece em um sonho (tanto quanto num mito ou conto de fadas) tem importância crucial, seja uma folhinha que voa ou um 'personagem principal'. Tudo é simbólico e, como qualquer símbolo, tem uma multiplicidade de significados que, às vezes, sob o ponto de vista da consciência linear, podem até parecer contraditórios - mas são, de fato, complementares. E para conseguir, dentre as múltiplas significações de cada símbolo, entender qual delas é a que se aplica ao sonhador, a primeira coisa que se faz é questioná-lo sobre o que ele pensa/sente sobre cada elemento. Também é muito importante saber o que se passa na sua vida naquele momento, pois o inconsciente, tendo justamente uma função complementar, está seguramente ampliando o significado psíquico de algo que se passa no nível do ego, com o objetivo de ampliar a consciência.

No meu sonho, o primeiro elemento que aparece é minha comadre, uma pessoa que eu amo profundamente, uma amiga/mãe/irmã que os Guias levaram para o meu caminho, mas que, por entrar neste sonho portando uma 'pedra mágica' chega como a representação de meu lado Donzela - pois ainda é esta sua condição na magia. Como donzela, à moda de Coré, aqui e ali ela se permite 'seguir um narciso' e acaba caindo numa encrenca qualquer que, mesmo trazendo sofrimento, lhe permite desenvolver a têmpera necessária para atingir a maturidade. E, no sonho, ela é a portadora da Pedra Mágica que é entregue levianamente a crianças para brincarem. Isto é um símbolo alquímico máximo: a Pedra  Filosofal, desprezada pelos 'tolos e infantis', mas reconhecida pelos alquimistas. Portanto, o sonho está dizendo que meu lado entusiasmado literalmente 'atirou no que viu e acertou no que não viu' - e que algo dentro de mim estava sendo leviano e infantil ao não reconhecer a sacralidade de alguma coisa. Ou seja, o inconsciente começa me dando um 'esculacho'; na lata!

Felizmente, parece que minha consciência - representada por mim mesma no sonho - e meu lado Donzela têm alguma redenção, e reconhecem que havia algo de muito especial naquela Pedra. E eu decido empreender a viagem para sua busca. Chego em uma encruzilhada - um símbolo de que estou em um ponto no qual posso seguir por direções diferentes e chegar a resultados bastante diversos - e estaciono em frente a um comércio. Aqui o inconsciente usou uma redundância para não deixar quaisquer dúvidas sobre o significado desta busca: comércio, encruzilhadas e caminhos são, na simbólica alquímica, o território Mercúrio, aquele que conduz o processo de transformação da matéria bruta de nossa Sombra em Pedra Filosofal - um símbolo do Self, por natureza.

Mas estaciono meu carro, e o guarda-roupas (!) que estou guinchando, de forma precária. O carro, na vida moderna, é o que nos conduz, o que nos leva de um lugar ao outro e, por isto mesmo, remonta, na psique feminina, ao Animus - que neste aspecto se apresenta como o Psicopompo, aquele que guia a mulher na busca da totalidade (na psique masculina o carro remonta à Anima, que ainda que tenha caracteres diferentes, faz muitas vezes o mesmo papel de guia e condutora para o Self). Guarda-roupas, por outro lado, é um símbolo feminino, pela associação com o útero; mas - sem excluir o primeiro sentido - também remonta ao que escondemos, ao que guardamos longe da vista, ao 'arquivo' de nossas personas e, por isto mesmo, à sombra feminina. No sonho não existe nada de errado na conexão entre a Sombra e o Animus - o problema está em como os deixei: estacionados de forma precária. Portanto, aqui eu tomo outro esculacho do inconsciente: parece que estou 'deitada em berço esplêndido' e não tenho trabalhado com o devido cuidado estes dois aspectos do meu inconsciente. Vindo de uma analista, isto é, no mínimo, "sem comentários"...

Seguindo no sonho, a coisa toda se torna agora bastante surpreendente para mim, pois o meu tio, que por ser comerciante é uma outra representação de Mercúrio, se transforma em um Lobo - e esta transformação remonta ao Xamanismo, sem quaisquer dúvidas. E mais: o inconsciente escolheu justamente um tio que 'já fez parte da minha vida no passado, mas com o qual perdi contato há décadas', e isto significa que em algum ponto da minha história passada, por mais que isto esteja completamente invisível para mim neste momento, estive bem próxima de elementos xamânicos e que eles, de alguma forma, são portadores da Pedra Filosofal. Confesso que quando acordei e me dei conta desta sobreposição de símbolos, fiquei de queixo caído. E ainda estou um tanto perplexa, pois, até onde vai minha ignorância, o Xamanismo é uma experiência 'visceral/corporal', uma conexão com elementos de terra, enquanto Mercúrio é um elemento 'aéreo/mental'.

A primeira atitude deste elemento 'híbrido' de minha psique é de rejeição e agressividade; mas quando me 'reconhece', se humaniza novamente e me acolhe. Esta atitude deve ser a representação que meu inconsciente achou para me dizer que 'devo me apresentar' e fazer ser reconhecido meu 'parentesco' se quiser interagir de forma adequada com o xamanismo. E aqui é que reside o problema: está tão no fundo do meu inconsciente a 'memória' deste parentesco que ainda não consegui, honestamente, entender de que forma um Lobo se transforma em Mercúrio e vice-versa. E só tem um jeito de entender: mergulhando de cabeça e me arriscando a 'tomar algumas dentadas'! Fazer o quê? Quem disse que uma viagem de auto-conhecimento é algo 'livre de riscos'???

Antes de concluir, é importante ressaltar que os sonhos devem ser 'ritualizados' depois de interpretados - ainda que possa ser uma ritualização bem simples. É a forma que temos de responder ao inconsciente que recebemos sua mensagem e ele pode, então, continuar a partir de onde parou, sem precisar ficar repetindo a mesma informação. Para este sonho escolhi colocar uma granada no meu sutiã e passar o dia inteiro com ela ali, pois o cristal do sonho me lembrou um rubi - e esta última pedra tem o potencial de trazer a energia do chacra básico para o nível do chacra cardíaco, transmutando a energia. Como não sou nada ligada em pedras 'preciosas', não tenho um rubi, mas a conexão da granada com o chacra básico é bem conhecida e, ao colocá-la próxima do chacra cardíaco, consegue-se o mesmo efeito. A outra forma de ritualização vai ficar para os próximos dias e consiste em rearrumar meu guarda-roupas, pois a precariedade que o inconsciente apontou é bastante preocupante.

... espero que a descrição da análise deste sonho possa ter demonstrado para os leitores que o processo de interpretação de um sonho não é algo tão difícil assim. O inconsciente 'sabe com quem está falando' ao enviar um sonho e mesmo se o sonhador não tiver qualquer conhecimento do significado arquetípico dos elementos que lhe aparecerem, ainda assim pode buscar o significado pessoal e ir decodificando a mensagem. Sonhar, assim como interpretar um sonho, não é 'um nicho' de psicanalistas: é uma forma natural que o Ser utiliza para nos auxiliar no desenvolvimento psíquico. O fundamental é ser honesto consigo mesmo e estar disposto a aceitar com humildade os 'puxões de orelha' e a revelação dos seus segredos mais íntimos.

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