domingo, 7 de agosto de 2011

Quando a Beleza não é Bela

No mundo patriarcal, ser bela nem sempre é uma bênção; às vezes pode trazer consequências nada bonitas. Não vou aqui contar histórias de estupros ou fazer qualquer discurso feminista ou sociológico; apenas contar mais um "causo" de minha experiência pessoal que ilustra, sem dúvidas, o quanto pode ser arriscado para uma Donzela bonita se relacionar com um homem que esteja preso a conceitos arcaicos.

A história que vou contar aqui é a do meu casamento, que aconteceu quando eu era ainda bem novinha, meros 17 aninhos, com um homem dez anos mais velho, que conquistou uma moça bonita, mas não soube pagar o preço de lidar com esta beleza. E, para piorar a situação dele, apesar de bem novinha, eu era e sou um espírito livre - fiel, mas livre - e a 'solução' que ele arranjou para lidar com os próprios ciúmes deus asas a este espírito.

Começa assim: ali pelos três meses de casada, um dia saí da escola e fui com uma amiga a um show - de nem lembro mais do que. Estamos falando do início da década de 80, de uma época sem celulares, o que significa dizer que eu apenas liguei para casa, avisei que ia ao show e ele só teve notícias de mim quando cheguei. E quando eu cheguei, encontrei-o 'enfurecido' de ciúmes. Deixei ele descarregar toda sua raiva e respondi pausadamente, baixando o tom de voz, que "se ele pensava que eu era 'esse tipo de mulher', não devia ter casado". Por 'esse tipo de mulher' ambos estávamos nos referindo à traição, algo que não faria e não fiz durante todo nosso relacionamento.

Ele engoliu seco e recuou. Urano bem aspectado no meu mapa natal tinha dado o primeiro recado: se você me quiser a seu lado, não tente me prender. E ele entendeu. Mas, a partir daí, começou lentamente um movimento curioso: nunca ia comigo a lugar algum. Fosse aonde fosse - hospital, supermercado, festa de família, reunião de amigos, etc. -, eu estava sempre sozinha. Isto foi o jeito que ele encontrou para não ter que lidar com sua possessividade e ciúme: eu chamava atenção "demais" e ele adotou a política de 'o que os olhos não vêem, o coração não sente'.

E foi entrando numa zona de conforto... Isto eu entendia e não cobrava, fazia parte de suas limitações. Mas o que eu não sabia ainda é que ele não só sentia ciúmes, mas sentia também o peso da insegurança que ele mesmo criou para si ao casar pelos motivos errados. Por "motivos errados" estou falando da vaidade de um homem que um dia, num papo simples, como quem fala de compras de supermercado, sem mágoas ou ressentimentos, comenta, num brilhantíssimo 'ato falho', que não havia casado por amor, mas "porque eu era muito bonita e ele não queria me ver casada com seu primo", que eu namorava antes dele. Eu era o troféu de uma disputa. Muito patriarcal isto, não acham?

E eu, por outro lado, mesmo reconhecendo ter aceito um casamento precoce para sair de casa, casara sim por amor - Vênus no ascendente, lembram?! - e sustentei esta "solidão a dois" em nome deste amor. Mas também havia outras  coisas em nossa relação que eu pesava como muito positivas: tínhamos uma afinidade mental impressionante e, além disto, sexualmente ele foi um parceiro incrível. E havia ainda um outro detalhe importante para mim: quanto mais solta ele me deixava, mais eu aprendia a buscar recursos dentro de mim. Do meu jeito, fui transformando o positivo em negativo.

Meu casamento durou sete anos antes de entrarmos para as estatísticas - 60% dos casais que perdem filhos acabam se separando. Mas não acabou por nenhum outro motivo se não pela minha constatação de que eu estaria sempre sozinha ao lado daquele homem. Continuávamos tendo uma afinidade mental acima da média, mas nossa vida sexual ia esfriando quanto maior o sentimento de solidão se fazia em mim. No dia do nosso aniversário de sete anos, sentei na frente dele e perguntei: "você é feliz?". Ele respondeu que não. Eu também disse a mesma coisa. Um mês depois eu pegava meus discos, meus livros e minhas roupas e ia morar numa kit, dormindo num colchão no chão.

Mas, quando ele percebeu que eu começava a sair com outros homens, voltou a me rondar, todo promessas. Ele estava perdendo seu 'troféu'. Reatamos ainda duas vezes, até eu concluir que ele agora era um bom amigo, mas meu amor de mulher por ele já havia se esvaído na solidão. E esta amizade ainda durou muitos anos, até que um dia eu pedi socorro como amiga e ele também preferiu ficar em sua zona de conforto. Foi a gota d'água.

Preciso, contudo, ser muito justa nesta história. Ele era um homem 'doente' em muitos sentidos, mas não era um homem mau. Era apenas um filho do patriarcado que não soube lidar com ciúmes e preferiu manter a política do "avestruz."  Eu o amei muito e também o ajudei bastante com esse amor. E ele reconheceu isto ao me dizer um dia que 'eu transformara vinagre em vinho'.

Por seu turno ele foi, certamente, o melhor 'professor' que eu poderia ter tido. Com meu pais eu já havia aprendido que tinha que cuidar sozinha de minhas questões espirituais e emocionais; mas foi com meu ex-marido aprendi a ter que lidar sozinha com todo tipo de problema e dificuldade, fosse ela sentimental ou prática. E aprendi, ainda, a pensar de forma realmente independente. Somados, estes aprendizados me habilitaram a cuidar dos outros.

Hoje quando penso no meu ex-marido, espero que ele realmente tenha aprendido a ser 'um vinho bom' na vida de toda e qualquer mulher que tenha cruzado seu caminho desde então - e espero que ele tenha aprendido também a se relacionar pelos parâmetros do amor, e não da vaidade "masculina".

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